Análise Preliminar do Programa: Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras – FUTURE-SE

05/09/2019 12:13

De acordo com o MEC, a finalidade do Programa Future-se é fortalecer a autonomia administrativa e financeira das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), por meio da parceria com Organizações Sociais (OS) e do fomento à captação de recursos próprios. O Programa está estruturado em 3 eixos (gestão, governança e empreendedorismo; pesquisa e inovação; e internacionalização):

Resumo da Análise da UNB

  1. O Projeto de Lei (PL) para criação do Programa Future-se é constituído por 7 capítulos e 45 artigos, que focalizam aspectos relativos à gestão e ao financiamento das universidades e institutos federais, mencionando também atividades de pesquisa, desenvolvimento, inovação e internacionalização, nas suas interfaces com o financiamento das IFES. Seria um tipo de “Lei 123 e já”, em que quem concebeu, não se preocupou em minimizar a atualização dos marcos legais;
  2. De acordo com o PL, a criação do Future-se implicará a modificação de dezessete leis em vigência no país (UFPel identificou 16), nos campos da educação superior, da ciência, tecnologia e inovação e da cultura, dentre outras, com destaque para a Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional (LDB), o Plano de Carreiras e Cargos do Magistério Federal, a lei que trata dos fundos constitucionais das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, as regras para isenção tributária de importações e as regras de deduções do imposto de renda. Desse modo, o PL propõe uma mudança substantiva no marco legal da educação superior no Brasil e de setores associados, direta ou indiretamente. Sem falar no nosso Estatuto e Regimento Geral.
  3. O PL estabelece, desde o início, o foco no binômio (gestão – financiamento) através da principal estratégia do programa: o acionamento de entes e de recursos privados. Tendo em vista os termos desta equação, o resultado, sem dúvida, deve afetar a autonomia das IFES em sentido amplo.
  4. Essa proposta do Future-se, demonstra um total (ou proposital) desconhecimento das atividades desenvolvidas pelas IFES. Cabe ao MEC reconhecer as iniciativas que já estão em curso na Universidade relacionadas aos 3 eixos que estruturam o programa Future-se. Afinal, essas ações evidenciam os esforços, a capacidade e a experiência acumulados pela instituição nas áreas priorizadas pelo programa. Comprometida com o permanente aprimoramento da gestão da coisa pública, a Universidade tem dedicado esforços para garantir pleno alinhamento de sua estrutura e funcionamento com as diretrizes da governança pública, estabelecidas pelo Decreto nº 9.203/2017. Diversos desafios estão sendo enfrentados por meio de gestão eficiente, com aperfeiçoamento de processos de trabalhos e com redução significativa das despesas de manutenção da Universidade. Em sua análise do Projeto de Lei (PL), a UFSC necessitaria está explicitando sua competência, em cada um dos três eixos do Programa Future-se;
  5. Aparentemente também essa proposta do MEC pressupõe que todas as IFES brasileiras são iguais. Porém, no mundo inteiro, as universidades têm suas origens e suas histórias profundamente vinculadas aos papéis estratégicos que elas se destinam a cumprir. Por isso, cada universidade é única e precisa ser respeitada em sua singularidade;
  6. Cada universidade tem a sua própria história, finalidade/missão, visão e valores. E, portanto, o programa Future-se requer tanto a análise da proposta em si, quanto de suas possíveis implicações para o cumprimento da missão institucional, estatutária e regimental;
  7. O programa Future-se consigna um projeto para o futuro das IFES sem considerar a desafiadora situação orçamentária vivenciada no presente por essas instituições. MEC faz movimento exatamente inverso ao processo de planejamento, começa com um plano para resolver questões a longo prazo, desconsiderando as ameaças a plena realização das atividades-fim no curto prazo. Assim, o mínimo de sensibilidade que se esperava era que qualquer plano para o médio e longo prazo fosse apresentado após a solução do problema de curto prazo, que coloca em risco o próprio funcionamento das Universidades Federais até o final do ano corrente (UFPel).
  8. Na verdade a estratégia parece ser matar as IFES de inanição, para justificar outras medidas austeras.
  9. A extensão, não é mencionada pelo Programa Future-se. O MEC retira uma perna do tripé, e desequilibra o polinômio.
  10. O primeiro aspecto que merece atenção e discussão refere-se ao novo modelo de gestão proposto pelo Future-se. De acordo com o PL de criação do Programa Future-se, a adesão das IFES ao Programa será voluntária. A instituição, ao aderir, assume então o compromisso de: a) estabelecer parceria com a organização social (OS), via contrato tripartite (IFES, MEC, OS); b) aderir ao Sistema de Governança a ser indicado pelo MEC; c) adotar programa de integridade, mapeamento e gestão de riscos e controle interno, além de submeter-se a auditoria externa. Destaca-se que o PL não oferece detalhamento quanto à operacionalização de nenhum dos tópicos indicados acima, o que dificulta sobremaneira a análise da proposta;
  11. No primeiro compromisso para as IFES aderentes ao Future-se, utilizará Organização Social (Criada na década de 90) que é uma entidade privada, sem fins lucrativos que é qualificada como tal pela Administração Pública, recebendo subvenção do Estado (dotações orçamentárias, doações e isenções fiscais) para realizar serviços de relevante interesse público, nas áreas de saúde e educação, dentre outras. O texto do PL pressupõe haver expectativas de seus formuladores de que a firmação de contratos de gestão, especificamente com OS, contribua para um incremento no desempenho das IFES na execução de suas atividades-meio e atividades-fim;
  12. Chama a atenção o fato do PL ignorar completamente as fundações de apoio. Conforme a Lei n° 8.958/1994, as fundações de apoio já possuem a competência de, por meio de convênios e contratos com as IFES, apoiar a realização de projetos de ensino, pesquisa, extensão, desenvolvimento institucional, científico e tecnológico e de estímulo à inovação, inclusive na gestão administrativa e financeira necessária à execução desses projetos;
  13. O modelo proposto no Programa – que atribui às Organizações Sociais a função de dar suporte à execução de atividades relacionadas aos três eixos do Future-se, também não é compatível com o atual modelo de OS. O Decreto n° 9.190/2017, que regulamenta o art. 20° da Lei das OS (Lei n° 9.637/1998), dispõe, em seu art. 3°, ser vedada a qualificação de Organizações Sociais para desenvolvimento de atividadesde apoio técnico e administrativo à administração pública federal” (inciso II) e “de fornecimento de instalação, bens, equipamentos ou execução de obra pública em favor da administração pública federal” (inciso III). Desse modo, o proposto no PL de criação do Programa Future-se contradiz o teor desse decreto, descaracterizando os objetivos e a própria razão de ser das OS. Sem mencionar que o modelo de OS não é voltado para a gestão administrativa de organizações complexas como são as IFES;
  14. O contrato de gestão com OS, segundo a lei em vigor, deve dispor com clareza sobre o “plano de trabalho” a ser firmado (com a estipulação das metas, prazos de execução e critérios de avaliação de desempenho). Prevê, portanto, uma atuação limitada, com parcerias pontuais – como são, afinal, as relações de parceria entre IFES e as fundações de apoio, no presente. Observa-se que isso é muito diferente de transferir por inteiro a gestão de uma IFES a uma Organização Social, como parece sugerir o PL do Future-se, que inclui entre as atribuições das OS a gestão dos recursos relativos a investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação, bem como o auxílio à gestão patrimonial dos imóveis das IFES participantes do Programa (conforme descrito no art. 4° do PL);
  15. Ressalta-se, ainda, que cada OS possui uma área de atuação específica, não estando em seu escopo a gestão integral de questões e aspectos tão diversos como os que envolvem a administração de uma IFES;
  16. Como o PL de criação do Programa Future-se não descreve em detalhes quais são as atividades de suporte a serem desenvolvidas pelas OS junto à gestão das IFES, esse ponto enseja preocupações relativas à manutenção da autonomia das universidades. O inciso I do Art. 2° do PL menciona apenas o “suporte à execução das atividades”, mas outros dispositivos (e.g. Art. 17°) preveem ações de iniciativa própria da(s) OS, não subordinadas à decisão dos órgãos colegiados de gestão democrática das IFES. E por isso não é possível discernir o quanto os contratos de gestão ameaçam comprometer a autonomia universitária, nos aspectos administrativos, de gestão financeira e patrimonial, mas também naqueles relativos à indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão;
  17. Conforme o art. 207° da Constituição Federal, “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. Esses elementos encontram-se articulados de forma significativa no texto constitucional, de modo a garantir nas universidades um ambiente institucional favorável à formação cidadã e à produção de conhecimento, livre de constrangimentos diversos, inclusive daqueles relativos à origem do financiamento de suas atividades;
  18. A centralidade dada às OS para a operacionalização do Programa Future-se –inclusive com a extrapolação das atribuições legalmente estabelecidas para esses entes privados – longe de sinalizar para o fortalecimento da autonomia das universidades, parece contrariar esse princípio tal como definido no texto constitucional;
  19. Reforçam essa linha de questionamentos, os trechos no PL que mencionam o estabelecimento de planos de ação e de metas de desempenho para as IFES que venham a aderir ao Future-se, bem como de um novo Sistema de Governança – que não é devidamente descrito no projeto. As universidades federais brasileiras possuem Planos de Desenvolvimento Institucional (PDIs), elaborados de forma colegiada por suas respectivas comunidades universitárias, que estabelecem ações e metas;
  20. Novamente não fica bem definido no PL quais os critérios e a dinâmica que presidirão a definição das ações e metas desses novos planos – serão considerados aspectos pedagógicos, sociais ou apenas critérios gerenciais? O Plano Nacional de Educação, em vigência, PNE 2014-2024, será considerado na construção desses planos de ação? Os planos de ação e metas serão elaborados em diálogo com as IFES?
  21. A definição de um novo Sistema de Governança não atenta para o fato de já existirem normas de conformidade e um amplo ordenamento legal seguidos pela IFES, que está sob permanente controle, sendo submetida a auditorias externas, realizadas por órgãos como a Controladoria Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU), além de auditoria interna;
  22. Em fragrante descumprimento dos princípios da Administração Pública, o PL define a não obrigatoriedade de chamamento público para a firmação dos contratos com as OS, suscitando inclusive dúvidas quanto à legalidade e aos riscos implicados, tendo em vista a magnitude das atribuições de apoio que seriam assumidas por esses entes na gestão administrativa e patrimonial das IFES;
  23. O PL informa que falhas no cumprimento desses requisitos (a firmação de parceria com OS e a adesão ao Sistema de Governança e demais mecanismos de controle específicos) ensejarão a aplicação de penalidadesque também não são explicitadas. Assim, ao aderir ao Programa Future-se, sem ter uma descrição completa das obrigações a serem assumidas e do alcance de sua participação na formulação dos contratos, planos e mecanismos de governança, as IFES se lançam em ambiente incerto que, em vez de fortalecer, põe em risco a autonomia universitária;
  24. O PL de criação do Programa Future-se não aborda o financiamento público das instituições federais de educação superior, não obstante a obrigatoriedade constitucional de manutenção dessas instituições pelo Estado brasileiro. Contrariando essas expectativas, o PL focaliza a criação de um fundo de natureza privada como alternativa ao financiamento das IFES. Conforme o PL, a intenção é que esses recursos financiem pesquisa, inovação e internacionalização. No entanto, a ênfase no caráter privado do financiamento e no acionamento de um conjunto de conceitos e mecanismos de mercado na concepção do Future-se sugere haver uma expectativa – senão um esforço – de desobrigação do Estado com o financiamento público das IFES;
  25. A Constituição Federal determina a autonomia “administrativa e de gestão financeira e patrimonial” das universidades e não a autonomia financeira. Adicionalmente, o princípio da autonomia ficou muito bem delimitado no art. 55° da LDB (Lei n° 9.394/1996) que determina: “Caberá́ à União assegurar, anualmente, em seu Orçamento Geral, recursos suficientes para manutenção e desenvolvimento das instituições de educação superior por ela mantidas”;
  26. O PL está orientado ao estímulo de iniciativas voltadas à captação de recursos financeiros para as IFES, combinando a venda de serviços (educacionais e de pesquisa) à capitalização via mercado financeiro. Essa capitalização seria baseada em fundos de investimento compostos por recursos advindos de isenções e incentivos tributários concedidos a empresas, da alienação de bens imobiliários das IFES e da União e de eventuais doações de pessoas físicas e jurídicas. Segundo o PL, o MEC poderá participar como cotista dos fundos de investimento, a serem selecionados mediante procedimento simplificado;
  27. É igualmente importante destacar que esses fundos estarão sujeitos às flutuações do mercado de capitais, o que pode implicar riscos de instabilidade na gestão dos recursos das IFES, especialmente em razão da centralidade desse mecanismo na política de financiamento proposta pelo Future-se;
  28. Subordinar a produção científica e tecnológica aos interesses privados, em detrimento do interesse público – atenta violentamente contra essas instituições e pode, no limite, afetar a soberania nacional;
  29. Há riscos altos para o sistema brasileiro de Ciência, Tecnologia e Inovação (CTI), quando pesquisa e desenvolvimento tecnológico são praticados em um ambiente de negócios e não em um ecossistema de inovação, que integre governo, universidades, iniciativa privada e sociedade;
  30. Em um ambiente de negócios, contudo, a pesquisa básica, as ciências sociais, humanidades e as artes e, no limite, o ensino de graduação e a extensão, tendem a ser crescentemente desprestigiados;
  31. Ainda, nas universidades públicas brasileiras, as decisões são colegiadas, sendo construídas a partir de consensos formados em debates, que incluem posições diversas e muitas vezes antagônicas. Esse é um aspecto de fundamental importância para a manutenção e fortalecimento da cultura democrática dessas instituições, que pode ser gravemente afetada em um cenário de transferência da gestão administrativa e financeira das IFES para entes privados;
  32. Além disso, políticas de inclusão e ampliação do acesso à educação superior, fundamentais em um país como o Brasil, marcado por fortes desigualdades socioeconômicas, também se veem ameaçadas;
  33. O art. 21° transfere toda a competência da elaboração e execução das políticas de internacionalização ao MEC, que disporá́ sobre “a organização e gestão dos processos”;
  34. Existe claramente um desconhecimento do MEC sobre as experiências das IFES no campo de internacionalização e merece destaque a eleição de convênios com instituições privadas, como meio para a promoção do uso de línguas estrangeiras entre a comunidade acadêmica. As escolas de línguas existentes em muitas IFES, estariam automaticamente excluídas de tal processo?
  35. O inciso IV, do artigo 20, por sua vez, parece absolutamente estranho à temática em questão. As IFES e as OS, segundo o inciso, devem fomentar “ações de premiação de alunos que, além de possuírem elevadas notas, ocupem posição de destaque intelectual entre os colegas, demonstrado por meio de provas e outros instrumentos de avaliação, e que não tenham indicativo de desabono de sua conduta“. Por que a inclusão de tal tópico neste capítulo? Tais prêmios se dariam por meio da oferta de intercâmbios internacionais? E, principalmente, quais atividades estudantis poderiam indicar desabono de conduta? Critérios políticos e/ou comportamentais influenciariam a elegibilidade ou não dos alunos para tais premiações? Mesmo aqueles com alto desempenho podem ser excluídos dessas premiações? Parece ser possível ler em tal proposta uma forma velada de controle político e comportamental dos estudantes;
  36. No PL, propõe-se a alteração a Lei n° 12.550/2011, que autorizou a criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares – EBSERH. O documento exclui as palavras “integral” e “exclusivamente pelo SUS”, permitindo que a iniciativa privada possa atuar nos hospitais universitários por meio de convênios e planos privados;
  37. O PL que se encontra em consulta pública, foi elaborado sem a participação de Reitores ou associações da comunidade acadêmica. As inconsistências verificadas e a fragilidade informacional não permitem que as IFES se comprometam com o programa;
  38. Talvez o único ponto positivo do Future-se é que revela o reconhecimento, por parte do MEC e do governo brasileiro, de que a rede federal de ensino superior não tem mecanismos de financiamento adequados às suas necessidades;
  39. É imprescindível, porém, que as soluções a serem produzidas nesse esforço não se afastem dos preceitos constitucionais. A autonomia universitária, tal como estabelecida na Constituição Federal, deve ser exercida por meio da preservação da gestão democrática pelos órgãos colegiados das instituições, como estabelece a Lei n° 9.394/1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB);
  40. A proposta formulada pelo governo também prevê formalmente a adesão voluntária das IFES, o que compromete a decisão livre e autônoma, pois em um contrato de adesão, o celebrante não tem como questionar cláusulas contratuais específicas. Além disso, a não adesão pode representar a persistência (senão o aprofundamento) das limitações orçamentárias sofridas pelas universidades hoje, em razão de bloqueios, contingenciamentos e da EC n° 95/2016;
  41. Estranhamente, as Universidades Federais, interessadas principais no plano, não participaram da elaboração da proposta, não foram convidadas a apresentar considerações ou sugestões. Esse vício de origem é gravíssimo e sem precedentes na história do MEC, pelo menos após a Constituição de 1988;

Resumo da Análise da UFPel

  1. Um ponto a ser considerado na análise do método é a pressa do cronograma apresentado pelo MEC. Um plano dessa complexidade precisa ser discutido de forma detalhada nas Universidades, mesmo que o MEC tenha optado por criá-lo sem diálogo com seus representantes legítimos, os reitores e reitoras. Ao contrário, o MEC propõe um período de consulta pública originalmente de apenas três semanas, depois aumentado para quatro semanas;
  2. Ainda no campo da macro análise, a proposta também apresenta limitações: (a) as informações apresentadas são superficiais e absolutamente insuficientes para a completa compreensão de temas tão densos como os abordados na proposta; (b) o Future-se adota um viés eminentemente econômico para tratar do futuro das Universidades Federais, deixando de considerar as questões centrais dos pilares da Universidade: ensino, pesquisa e extensão; (c) um documento que deveria ser norteador das políticas do MEC, que é o Plano Nacional de Educação, aprovado por unanimidade no Congresso Nacional, é ignorado no texto apresentado; (d) o plano sugere a diminuição gradativa da participação do Estado brasileiro no financiamento do ensino superior no país; (e) há divergências relevantes entre a apresentação feita aos reitores e mídia e o conteúdo do texto submetido à consulta pública, especialmente quanto às atividades a serem desempenhadas pelas organizações sociais no plano Future-se;
  3. Aparentemente não é legítimo construir um plano para o futuro das Universidades Federais sem diálogo com as Universidades Federais. Também é importante solicitar ao MEC explicações sobre a decisão de focar o plano na autonomia financeira das Universidades Federais, e não em outros pontos centrais, como o papel social das Universidades, mecanismos de ampliação do acesso ao ensino superior no país mecanismos para reverter a predominância de matrículas de ensino superior no sistema privado e comunitário em detrimento do sistema público, para citar apenas alguns;
  4. Autonomia financeira está sendo tratada aqui como independência do Estado? A meta é que, daqui a alguns anos, as Universidades aderentes ao Future-se não mais dependam de financiamento por parte do MEC? Em outras palavras, caso o Future-se seja um sucesso e o incremento das receitas próprias seja possível, esse saldo seria utilizado para a expansão e qualificação das próprias Universidades ou para diminuir o orçamento disponibilizado pelo Estado às Universidades?
  5. Parece contraditório que as autonomias administrativas e de gestão das Universidades sejam fortalecidas a partir de parceiras com organizações sociais;
  6. As maiores ameaças as autonomias administrativa e de gestão foram originadas pelo próprio Governo Federal. Inicialmente, por meio de um Decreto, o Governo Federal extinguiu funções gratificadas das Universidades, sem qualquer diálogo prévio com as mesmas, para logo depois anunciar que outras seriam extintas a partir do meio do ano;
  7. O Governo Federal determinou que o preenchimento dos cargos de direção deixe de ser prerrogativa direta dos reitores e reitoras, e instituiu um estágio de análise preliminar pela Casa Civil. Novamente, a ação é uma afronta direta à autonomia administrativa e de gestão das Universidades Federais. Por essas razões é, no mínimo contraditório, que o programa Future-se venha para fortalecer a autonomia, já garantida pela Constituição, das Universidades Federais;
  8. Em vários momentos das apresentações públicas da proposta, o Secretário de Educação Superior compara o papel das organizações sociais no Future-se ao cumprido pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). Ora, a EBSERH é uma empresa pública, e não uma organização social (privada);
  9. O objetivo geral, e depois o detalhamento do programa, deixam de responder a algumas perguntas essenciais: (a) as atividades-fim da Universidade (ensino, pesquisa e extensão) também podem ser alvo de terceirização via organização social? (b) uma Universidade aderente ao Future-se poderá ter professores contratados pela organização social, e não do regime jurídico único? (c) o fazer técnico-administrativo será terceirizado completamente via organizações sociais?
  10. Deveríamos ser contrários a qualquer tentativa de divisão das Universidades Federais, especialmente uma que separe as Universidades entre aderentes e não- aderentes. Essa divisão pode gerar desigualdades na quantidade de dedicação do MEC às Universidades aderentes e não- aderentes. É admissível conjeturar que haverá instâncias de editais e financiamentos públicos abertos somente a organizações sociais onde universidades não aderentes não poderão participar. Vale destacar que o Ministro falou ‘em separar o joio do trigo’. O que seria isso?
  11. A Universidade que aderir é obrigada a utilizar a organização social contratada para dar suporte as atividades nos três eixos do programa. Ora, cria-se um óbvio conflito de funções entre os/as reitores/as, vice-reitores/as, pró-reitores/as e gestores da organização social, pois diferentemente do caso da EBSERH, tanto a Universidade quanto a organização social estarão gerenciando a mesma coisa. Aqui fica evidente a proposta de terceirização, se não das Universidades, pelo menos de suas administrações. Repete-se aqui a dúvida: nos casos em que houver discordância de posição entre o conselho superior da Universidade e o conselho de administração da organização social, qual a deliberação institucional?
  12. É absolutamente essencial que as diretrizes de governança sejam (a) dialogadas com as Universidades; (b) explicitadas antes da eventual adesão à proposta. Por mais confiança que as Universidades pudessem ter no MEC, não é razoável aderir a um programa sem que pelo menos as diretrizes de governança sejam conhecidas;
  13. As Universidades Federais, em processo dialogado com a Controladoria Geral da União e as Auditorias Internas, já dispõem de regramentos sobre os temas citados. Haveria a necessidade de adotar novos regramentos para esses temas? No que difeririam tais regramentos dos existentes atualmente?
  14. Questões sobre a proposta: (a) a organização social passaria a ter quadro de professores próprios? (b) a organização social teria ingerência na oferta de vagas, criação e extinção de cursos nas Universidades; (c) as atividades dos técnico-administrativo seria gradativamente transferido para trabalhadores ligados à organização social?
  15. Qual o motivo para prescindir de chamamento público? Já existem organizações sociais em vista para a celebração dos contratos? Surge aqui também a dúvida sobre o termo organização social no singular ou no plural. Em alguns trechos da proposta, parece que a proposta sugere uma única organização social para lidar com os três eixos do programa. Em outros, parece que poderiam ser múltiplas organização sociais, com fins específicos;
  16. É impossível ignorar o fato que o programa Future-se prevê vedação das práticas de nepotismo, embora as Universidades já estão submetidas a regramentos contra nepotismo e conflito de interesse, para citar apenas esses;
  17. Aqui é essencial discutir as metas de desempenho e indicadores. Em primeiro lugar, certamente o MEC está ciente de que as Universidades já possuem seus Planos de Desenvolvimento Institucional (PDIs), que estabelecem ações para horizontes temporais definidos. Mas o ponto central aqui é compreender se estamos lidando com indicadores e metas pedagógicas ou gerenciais? Além disso, é importante lembrar da expansão das vagas prevista como meta no PNE (2014-2024): será ignorado? O relatório de monitoramento do PNE publicado em 2018 revela que o crescimento total de matrículas entre 2012 e 2016 foi de 1,01 milhão;
  18. O Future-se objetiva fortalecer a autonomia ou a independência financeira das Universidades Federais? Várias das funções das organizações sociais listadas na proposta ampliam consideravelmente sua função no programa, tornando-se verdadeiras administrações paralelas das Universidades Federais, reforçando a preocupação com a terceirização da gestão das Universidades;
  19. Qual a necessidade de participação da organização social no apoio a execução de planos de ensino, pesquisa e extensão das Universidades Federais? Já existem pró-reitorias específicas para planejar e executar essas atividades;
  20. Sinceramente, não precisamos de uma organização social para gerenciar os recursos das Universidades Federais, e muito menos o nosso patrimônio imobiliário. Aliás, uma gestão patrimonial adequada, no caso de uma Universidade, não pressupõe especular no mercado imobiliário com o patrimônio;
  21. Há previsão de cedências de servidores da Universidade para a organização social. Qual seria a razão para tal cedência? Diferentemente do modelo EBSERH, cujos trabalhadores gradativamente substituirão os servidores em regime jurídico único, não há previsão, e muito menos concordância, que os cargos de servidores em regime jurídico único das Universidades sejam extintos;
  22. A principal preocupação refere-se à participação que as Universidades Federais brasileiras terão nesse comitê gestor;
  23. Tratam-se de fundos de investimentos diversos ou fundos de investimento imobiliários? Quais as avaliações de risco a serem realizadas? O MEC poderá aplicar seus recursos orçamentários em fundos privados, com risco, ao invés de descentralizar às Universidades Federais e cumprir sua obrigação constante na Constituição Federal?
  24. A transferência de patrimônio imobiliário do Estado para organizações sociais, selecionadas por processos simplificados, jamais deveria ser realizada por doação. Por que essas organizações sociais teriam privilégio, comparativamente a outras entidades privadas?
  25. A disposição do MEC, em especular para valorização os imóveis cedidos pela SPU, pressupõe a necessidade de investimentos iniciais para elaboração de projetos, estudos de viabilidade urbana e ambiental, divulgação e comercialização da proposta. Quem fará e pagará isto?
  26. Em síntese, a proposta do PL indica que as organizações sociais devem ter, no mínimo, os mesmos princípios de governança que as Universidades Federais já têm. Os Planos de Desenvolvimento Institucionais já apresentam o planejamento das Universidades para um prazo definido. Os relatórios anuais de gestão já dão transparência à administração das Universidades Federais;
  27. Transferir essas atividades para as organizações sociais é transferir a gestão das Universidades públicas para o setor privado. O programa, talvez por falta de aprofundamento, permite a interpretação de que se trata de uma proposta de privatização gradativa das Universidades Federais;
  28. Destaque-se que o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) já concede bolsas de produtividade em pesquisa e inovação tecnológica para servidores com mérito acadêmico, as quais não são reajustadas há anos. Por que criar um sistema de premiação paralelo?
  29. Parece estranhíssimo que haja previsão específica de parceria com instituições privadas para a oferta de cursos de idioma para docentes. Por que não prever também a utilização do capital intelectual das próprias Universidades, por meio dos cursos de Letras? A ideia de premiação por desempenho atlético, com bolsas no exterior, parece completamente inadequada. Ao invés de propor uma política de valorização do esporte universitário no próprio país, em parceria com a Secretaria de Esportes, o MEC propõe exportar nossos estudantes com excelente desempenho atlético para outros países. Por fim, o que significa desabono de conduta no caso dos estudantes?
  30. A ideia de o MEC criar um fundo soberano para investimento nas Universidades Federais pode ser positiva, desde que algumas precauções sejam tomadas. Aqui é essencial destacar o uso do termo ‘ampliar’ e jamais ‘substituir’ o financiamento do Estado; não poderemos concordar com qualquer proposta que reduza a participação do Estado Brasileiro no financiamento do ensino superior;
  31. Aqui o MEC solicita que assinemos um cheque em branco. Impossível julgar um comitê gestor que tenha funcionamento e composição desconhecidos. Especificamente o item IV demonstra uma tentativa de interferência do MEC nos processos de escolha dos reitores e reitoras das Universidades Federais. O item V é também bastante preocupante, ainda mais sem qualquer aprofundamento. Qual o limite de gasto com pessoal? Como será diminuído esse percentual: seria por meio do fomento à terceirização, inclusive das atividades-fim?
  32. A autonomia universitária corresponde a um poder de decisão que envolve o poder de estabelecer seu regramento, o poder de decidir e de gerir suas finanças e seu patrimônio, o que em diversos artigos do proposto Projeto de Lei do Programa Future-se entende-se como reduzido, desconfigurado e até mesmo suprimido. Por exemplo, o compromisso de “adotar as diretrizes de governança dispostas nesta Lei, inclusive ao Sistema de Governança a ser indicado pelo Ministério da Educação.” (artigo 2°, inciso II, do Projeto de Lei);
  33. A análise preliminar enseja que o Programa Future-se acabará por reduzir a autonomia universitária, configurando-se como um ato de inconstitucionalidade, uma vez que contraria matéria constitucional, ou seja, viola o conteúdo previsto no texto constitucional. Esse ponto certamente requer análise aprofundada pela Advocacia-Geral da União;
  34. A adesão ao Programa é de fato facultativa? Ou é na prática compulsória?
  35. A quem são passíveis de serem aplicadas as penalidades previstas? À União? À IFES? Ou à OS? Em que situações e quais penalidades previstas pelo Programa Future-se?
  36. Neste tema, há garantia constitucional de que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (artigo 5º, inciso XXXIX, da CRFB). Portanto, previsão de aplicação de penalidade do Programa Future-se está condicionada à uma prerrogativa não prevista em lei. Sendo assim, a redação do § 1° do artigo 3° do Projeto de Lei não pode ensejar aplicação de penalidade, tanto à IFES, quanto à OS, por não atender à garantia constitucional;
  37. Sobre o conjunto de propostas de alterações legais, considera-se que o documento apresentado incorre em um grave problema da técnica legal, uma vez que apresenta um conjunto extenso de alterações legislativas apresentadas no capítulo de disposições finais e transitórias;
  38. Qual o objetivo de construir esta possibilidade de remuneração antes não prevista na lei das OS? O governo e o MEC tem alguma pretensão maior sobre a atuação do conselho gestor? Seria o papel do Comitê-Gestor a efetiva substituição dos cargos de alto escalão das Universidades, como os CD2?
  39. 14° da Lei 9.637/1998 faculta ao poder executivo a cessão especial de servidores à OS, com ônus a instituição de origem. A proposta inclui um parágrafo 4°, que no âmbito do Future-se, a cessão dar-se-á com ônus ao cessionário. A princípio, isto pode-se considerar um contra senso? É possível fazer uma leitura da pretensão do MEC em objetivar desonerar, no curto prazo, o Estado da remuneração de servidores públicos ativos? Seria este um caminho da privatização do trabalho técnico-administrativo das IFES? Há possibilidade de cessão de servidores docentes, que passariam a ser remunerados pela OS?
  40. A melhor forma de obter uma posição democrática sobre uma pergunta dicotômica, como a adesão ou não a um programa governamental, é o plebiscito. Assim, deveremos propor um processo de consulta à comunidade, com apuração universal dos votos, sem distinção entre categorias. A proposta é que o plebiscito seja precedido de debates com convidados de posições divergentes. Deverá ser proposto ao CUn, desde o início, que referende unanimemente a decisão democrática obtida no plebiscito.

Resumo da Análise da UFRJ

  1. O Programa FUTURE-SE lançado pelo MEC deveria em primeiro lugar reconhecer o grau de desenvolvimento técnico-científico das 63 universidades públicas federais. Aparentemente, o Programa foi elaborado pelo MEC sem a necessária interlocução com os reitores ou a comunidade acadêmica;
  2. Algumas premissas devem ser consideradas cláusulas pétreas que antecedem a possibilidade de adesão a esse ou qualquer outro programa de governo: a) Garantia da autonomia universitária estabelecida pelo artigo 207 da Constituição brasileira e do caráter público e gratuito do ensino superior; b) Defesa da integralidade da Universidade, evitando a fragmentação da sua estrutura e a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão; c) Garantia de financiamento público adequado para a manutenção e funcionamento das IFES; d) Flexibilização dos limites de captação e uso dos recursos próprios captados pelas IFES; e) Garantia de preservação das carreiras públicas nas IFES, com a manutenção dos concursos públicos e da contratação via Regime Jurídico Único, da estabilidade e também, no caso dos professores, a preservação da dedicação exclusiva;
  3. O artigo 207 da constituição brasileira de 1988 garante às universidades a autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e que obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Importante ressaltar que o dispositivo não desincumbe o Estado da provisão de financiamento público, mas tão somente garante a autonomia da gestão financeira, a partir de recursos públicos. Destaca-se que é antecedido pelo artigo 206 que explicitamente menciona a gratuidade do ensino em instituições públicas;
  4. Em linhas gerais, pelo que se extrai do Programa Future-se, a IFES que lhe fizer a adesão comprometer-se-á com pelo menos uma organização social a ser contratada, emoldurando sua atuação com as diretrizes de governança que serão futuramente definidas pelo Ministério da Educação. No mesmo sentido, deverá aderir a um programa de integridade, mapeamento e gestão de riscos corporativos, controle interno e auditoria externa. Por essa perspectiva, ressalte-se, as IFES já são regularmente auditadas por órgãos internos e externos de controle;
  5. São excessivamente vagas as atribuições, competências e limites das Organizações Sociais neste Programa. Não está explicitamente definida a possibilidade de essas entidades atuarem nas atividades-fim das IFES;
  6. Outro aspecto que merece destaque é a previsão da criação de um comitê gestor cuja composição não está definida na proposta. A autonomia universitária poderá ser afetada pela presença deste comitê externo que parece substituir a função dos colegiados superiores das universidades;
  7. Pela sua configuração atual, o FUTURE-SE não se apresenta disposto a promover o fortalecimento da autonomia universitária. Contrario sensu, pode indicar retrocesso aos avanços do ordenamento jurídico pátrio garantidores das melhores perspectivas para o desenvolvimento socioeconômico, científico e cultural do país, que emergem das IFES;
  8. O chamado Fundo do Conhecimento, proposto no programa, é também recheado de lacunas. Não há clareza sobre a composição do patrimônio que serviria de aporte inicial, não se discute o tempo de maturação de um fundo deste tipo e como as IFES seriam financiadas durante esta transição, não há qualquer menção aos critérios de escolha do gestor do referido fundo e de como ele será remunerado, especialmente no período de lançamento e consolidação do fundo. Caso o fundo fracasse, o retorno do patrimônio é previsto ao MEC, sem esclarecer com ficam os aporte eventualmente feitos pelas IFES;
  9. Diante desse cenário, há que se reafirmar a necessidade de políticas que possam garantir o repasse completo do orçamento da IFES previsto e aprovado pela lei orçamentária anual (LOA), o que permitiria o planejamento e funcionamento de forma mais eficiente das instituições. Além disso, deve-se permitir o uso total dos recursos próprios captados por meio de boas práticas de gestão, inclusive patrimonial. Essas ações seriam suficientes para garantir a autonomia de gestão financeira;
  10. O intuito deveria ser o de estimular as boas práticas de gestão financeira e patrimonial das IFES, aumentar o financiamento das instituições públicas e não desviá-lo para uma organização privada, a OS. Jamais será possível prescindir do orçamento público adequado para o funcionamento e o integral cumprimento da missão das IFES;
  11. Nessa linha, merece destaque o fato de as IFES ostentarem com pujança a competência necessária para pensar e desenvolver suas atividades, sem necessidade de concepção de fórmulas jurídicas, carentes de comprovação fática de eficiência, para delegar à OS sua gestão, quando, de outro lado, permanecem as fundações de apoio legalmente consolidadas na gestão dos projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação, há décadas;
  12. Certamente, o projeto FUTURE-SE deveria propor a retirada das IFES do teto de gastos, garantir o orçamento sem contingenciamentos e estimular o desenvolvimento para impulsionar a produção científica nacional e a formação de pessoal qualificada;
  13. O diálogo deve ser permanente para fortalecer o ensino público, gratuito e de qualidade, porém, conclui-se que há riscos no Programa Future-se relacionados à possibilidade de mudança futura da personalidade jurídica das IFES, que são atualmente autarquias federais com a prerrogativa do autogoverno, além dos riscos à nossa integridade administrativa, pedagógica, científica e patrimonial.